13.4.10

Multiplicidade

Olha que engraçado, bem quando me pego conscientemente vivendo a pluraridade toda que sou (tentando negociar, mas acima de tudo, aceitar cada pedacinho dela), me deparo com esse vídeo muito especial, essencial:



Não posso contar quantas vezes eu, ao me apresentar como brasileira, ouvi um intrigado "não parece" em resposta. Nunca antes podia imaginar que isso me incomodaria tanto (ou que ouviria isso tantas vezes). Então fico eu intrigadíssima, e com uma pergunta sem resposta na minha cabeça - "e me diga você então, como são os brasileiros?". Se a conversa no leva até a naturalidade norte-americana da minha mãe ("mas uma brasileira", como ela carregada de sotaque gostava de nos relembrar), é a vez de ouvir um aliviado "tá explicado".

Na cidade, eu era a menina que passava as férias na roça brincando no curral com os meninos da fazenda. Na roça, eu era a menina branquela da cidade grande toda desengonçada ao correr descalça no cascalho e forçada a nadar na represa de camisetão pra não queimar. Mas na cidade eu era também a filha daquela mãe americana, dona dos brinquedos mais espalhafatosos e que ia para festas juninas com os vestidos mais aleatórios do universo, invejando as trancinhas e sardinhas de todas as outras meninas. E lembro, desde criança, da pergunta, consequência desses contrastes:

- Mas, peraí, quem sou eu então?

Um dia, aqui em Nova Iorque, recebi um convite de um cara para conhecer a família dele. Dizia ele que havia tempos que não levava uma garota para a avó conhecer, e estava curioso pra ver como seria dessa vez, porque a última que sua abuelita havia conhecido era branca. Em um segundo entendi quem eu era aqui.

E, como Chimamanda abraçou sua identidade africana, tenho aprendido a abraçar minha latinidade. Fui colocada um rótulo que também me serve (e, diga-se de passagem, minha única história até então não me permitia ver). Mas não é o único. O interessante que tenho descoberto nisso tudo é também não deixar que eu mesma compre a história única minha que tentam me vender.

E o me apresentar como brasileira e me deixar ser, espero contribuir um pouquinho. E exercito todo dia imaginar as outras histórias dos outros, sabendo por experiência própria que todos somos donos de várias. Viver aqui me presenteia isso (além de tantas outras coisas), já que o que nos une nessa cidade-mundo é, exatamente, o fato de termos cada um uma história distinta. Então vivemos, além das diferenças, as similaridades.

4 comments:

marina said...

chimamanda é diva.
ela mostra pra gente o perigo da história contra nós, e o perigo da história única que parte de nós também. e essa sutileza que ela tem de nos fazer perceber os dois lados desse perigo é o melhor do vídeo.
ah, e o turbante MARAVLIHOSO que ela usa também, hehe.
:*

Marina said...

É engraçado...parece que o "quem sou eu" só existe mesmo em referência. Às vezes isso parece angustiante. Às vezes, libertador.

Cristina Caldas said...

Viva os latinos!

Antônio Padilha said...

Eu também ouço bastante o "mas você não parece brasileiro". Dai tento falar do nosso mélange cultural, depois criticar a necessidade de rotular os outros. Engraçado entao eu me identificar aqui, ne?