8.6.12

Vontade de Alegria

Blessed are the hearts that know how to bend, they shall never break.


Há tanta dor nesse coração.

Aninhava-se na cuba da pia do banheiro quando essa dor já não era mais suportável. Fitava-se no espelho, trancada no único lugar da casa onde jamais a incomodariam - fazer cocô era mais respeitável que tanto mais - e fantasiava mortes, casamentos, grandes acontecimentos. Chorava a morte dos seus amores, se nutria ao imaginar a dor dos que ficariam pra trás caso fosse ela a morta. Me contou em segredo que só assim sentia-se querida, e tinha o desejo íntimo que a vida lhe fosse tirada logo para que cada falta de beijo e abraço fosse ressentida. Acolhida pela cerâmica fria, vivia tudo aquilo que lá fora, no calor do piso de madeira, não podia viver. Aprendera a recolher em compartimentos pequenos em seu coração de criança o amor, a raiva e a tristeza. Seus sentimentos tinham hora e lugar marcados.

Até hoje, quando a visitavam sem bater à porta, estranhava. Não sabia deixá-los entrar, nunca o havia feito. Uma meta-sentimental, se entristecia quando se percebia triste (e da mesma maneira, ficava feliz quando ouvia de sua própria boca uma gargalhada). Seria essa sua sina? A recebia com pesar.

Mas essa dor era desejo de alegria, foi perceber depois. Queria tanto da vida. A dor ao perceber uma tristeza era também uma delicadeza rara de cuidado consigo - no fundo, ela mesma acreditava merecer mais, tratava seu coração com a suavidade que aprendera ser bonita. A ideia de morte não mais a encantava, queria na verdade mais vida - era essa a raiz de sua frustração. O coração quebrado era vontade de amor. Olhava aquela criança da pia e via agora muito além da tristeza. Se surpreendera muitas vezes com as visitas dos sentimentos, eles ladram mas não mordem. Assim que os convidava a entrar, rapidamente passeavam pela casa e saíam, em silencioso respeito, levando consigo tralhas bolorentas e inúteis. Era sempre assim. A única lei do universo que descobriu ser infalível. E seu destino na verdade era esse: dobrar e desdobrar, e nunca quebrar.



Minha tristeza não tem pedigree,
Já minha vontade de alegria, 
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

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