11.6.12

Sabe quando a gente lembra que estamos sempre respirando? Quase nunca. Percebi isso ao vê-la morrer. Sabia o que estava acontecendo, sabia que seriam seus últimos goles de ar, acordei naquela manhã sabendo. Cada inspiração e expiração gastava mais tempo do mundo, as maiores pausas, até parar de vez. Soube imediatamente o que tinha acabado de acontecer: ela morreu. Então era assim que acontecia. Seu pulmão não mais buscava ar, seu diafragma aquietava-se pela primeira vez em décadas, seu coração parou. E o sangue nas veias não mais circularia, era tanto sangue e tanta veia, e aquele calor produzido continuamente por todos esses anos rapidamente se dissipara para o ambiente, era daquele quarto agora, não mais dela. Perdeu seu calor.

Perdeu também seu sufoco, mas foram com ele os sorrisos. Com o ar, foi-se a voz. Logo mais iriam também os carbonos. Voltariam pra terra, ela ficaria feliz com isso.

Mas morto amado nunca mais pára de morrer, aprendi isso logo. Admirava minha mãe morta na cama, e daquele segundo em diante não sabia mais o que fazer. Morri também, mas fiquei aqui. Recomecei: eu respiro, ela não. Quanto tempo fico na cama ao seu lado? O que faço entre o acordar e o dormir? Quando o tempo é doloroso - não porque você dói enquanto ele passa, mas porque ele, em si, te causa desconforto com todos esses minutos e horas jogados nas suas mãos, e você, perdida, não sabe como fazê-los sumir - aí sim fica difícil de verdade.

Era morta a mãe, tentava entender aquilo. E seu peito não mais subia com o pulmão inflado, claro, está morta, não respira mais. Não se percebia mais o batimento cardíaco na sua jugular, claro, está morta, não bate mais. Toquei em sua perna, agora fria, claro, o sangue não te esquenta mais. A gente nunca lembra que é quente, só quando fica frio. Quis tirar o algodão de suas narinas, poderia sufocar. A morta? Morto não morre sufocado.

Desde então fui aprendendo a reaprender, sempre, o já sabido. A admirar-me com o esperado. E a enterrá-la mais de uma vez por dia.

6 comments:

Larissa said...

Ju, sem palavras para esse texto. Lindo? A palavra parece nao caber ao sentimento... meus olhos encheram de lagrimas. Nao sei o que dizer. Estou profundamente tocada por suas palavras tao delicadas e ao mesmo tempo tristes, quase violentas.

adoro-te.


beijos. escreva um livro. comprarei. pedirei autografo. direi, "conheco a autora..."

coresquenãoseionome said...

escreva um livro. [2]

pra escrever um livro com beleza é preciso um bocado de tristeza, senão não se escreve um livro não.

eita, era samba? ah, mas coube tão bem aqui.

Hélio Sales Jr. said...

Eu às vezes me pergunto o que é respirar. O que é estar quente, com sangue correndo pelas veias, respirando. Porque me sinto morto, sendo levado aos solavancos de um lado para outro ao sabor dos ventos, vivendo uma vida que não foi a que planejei pra mim, realizando sonhos de outros. Como se tudo fosse um eterno sonho/realidade se misturando e uma coisa espetando a outra. "Isso aqui é real, Hélio, isto daqui não" e vice versa. A vida às vezes nos coloca em situações tão limite que não dá pra gente entender em tempo real o que é real ou irreal. Ou mesmo pra acreditar que exista alguma realidade frente ao que sentimos; com as pontas dos dedos ou com a alma. Um dia chegamos lá. A busca é essa. E a dor é a mesma. E intermitente.

E agora mais especificamente sobre o texto, achei muito táctil, muito real, muito você. Carne crua na mesa de um vegan. É disso que as pessoas precisam. Escreve mais, Ju...

Hélio Sales Jr. said...
This comment has been removed by the author.
Hélio Sales Jr. said...

Escreva um livro [3]

Daya said...

Linda, bateu uma saudade tão grande hoje de escrever e de te ler. Amor demais.

=*