20.4.12

mulher-árvore

Ontem fui ao mercado fazer compras. Voltava de uma visita a uma amiga na zona norte, peguei metrô lotado na ida, metrô lotado na volta, de pé. Meio cansada, paro no mercado para umas compras, e volto o resto da caminho andando, com as sacolas. Adoro não ter carro, mas detesto carregar coisas. A sacola pesada no meu ombro me levava a contraí-lo, tensioná-lo, e a experiência ficava ainda pior. Lembrei de uma professora de yoga que nos lembrava de usar a mecânica do corpo mesmo, deixá-lo fazer o trabalho, não tensionar áreas desnecessárias, e tudo sempre ficava melhor quando ela falava: relaxe os ombros. Decidi relaxar os meus ombros, e deixar que eles funcionassem da maneira mais pura para apoiar aquela sacola, como um simples pendurador, sem precisar de tensão extra alguma. "Meu ombro, meu braço, meu tronco podem funcionar como galhos de árvores", pensei. E então me pareceu muito plausível que eles fossem, realmente, como pedaços de outro ser vivo qualquer - só feitos de um material diferente.



Senti um certo orgulho em oferecer para a sacola um apoio tão bruto e natural como um galho de árvore. "Pois eu tenho isso pra oferecer pro mundo?", pensei, e fiquei feliz. Eu, uma cabeça flutuante, não me achava capaz de oferecer algo assim ao mundo. Pode ter sido apenas uma sacola, cheia de produtos de plástico com suas logomarcas, mas ainda assim me vi feliz com minha contribuição.

Às vezes me bate uma sensação de unidade inexplicável com o resto das coisas. Como quando, durante uma viagem de ônibus, desci a Serra das Araras, no Rio de Janeiro, de noite. Apesar de perigosa, a experiência foi inexplicável. São muitas curvas na estrada, todos os veículos em baixa velocidade, e víamos os faróis dos carros em outros trechos da rodovia iluminando a serra acima e abaixo de nós, em alguns poucos pontos - parecia um sonho. Me senti parte daquilo de uma maneira que não cabia em mim, e era bom.

Outro dia ouvia uma música no youtube, e o primeiro comentário dizia "ah se eu pudesse trepar com uma música". Era o comentário mais curtido, tanta gente queria trepar com aquela música. São breves os momentos em que me sinto um pedaço de carne (também, além de), com ossos, vísceras, e tudo o mais que existe no mundo. Que sinto na pele que sou feita dos mesmos carbonos que todo o resto - só organizada de maneira diferente. E apesar dessa simples reorganização ser capaz de gerar universos inteiros dentro de cada ser - e que bonito é isso - por vezes, nessas horas, acho lindo ser mais um tanto de carbono nesse mundo. Me acalma.


2 comments:

Larissa said...

Adorei Ju- que simbolo lindo da arvore, e viva la yogaaaa! estou sempre cheia, cheia, cheia de sacolas pesadas, preciso muito dessa filosofia...

"sou feita dos mesmos carbonos que todo o resto- so organizada de maneira diferente." AMEI.

Karina Lerner said...

que lindo, insight maravilhoso. mudei radicalmente de vida e, portanto, de emprego. tenho usado muito o corpo e no começo me sentia fazendo esforços imensos até quando entendi que poderia usar o corpo como parte integrante de mim, me ajudando em meu próprio benefício. é uma lição e tanto, mas tenho a impressão de que, conforme crescemos, perdemos nossas capacidades físicas, além de tantas outras mágicas, inocentes e criativas!