9.9.11

O papel que não me cabe


Quando nova dizia para deus e o mundo minha teoria dos papéis, achava curioso desde então que em cada lugar nós representássemos algo. Na escola, eu era tímida. Na rua, super descolada. E atribuía a responsabilidade disso a algumas pessoas ao meu redor - acreditava que por serem muitas as descoladas na escola, havia um espaço vazio para ser preenchido, o da timidez, e lá estava eu. Um nicho ecológico, como diriam os biólogos, onde há uma combinação de elementos físicos e certos comportamentos específicos. Um conceito de espaço amplo. Sempre curti esse conceito por mexer com nossa ideia de espaço físico e misturá-la, sem dedos nem medos, com comportamento. Nosso espaço são os metros cúbicos que ocupamos e tanto mais.

Meu papel então é determinado por mim e pelos outros, claro, já sabia disso, mas redescubro isso nesse exato instante. Tenho a doída mania de achar que tudo acontece por culpa minha, mas, além de mim mesma tentando me vestir dos papéis que acredito deva cumprir, vejo outros tentando me empurrar guela abaixo esses papéis - eles servem a mim e à minha comunidade, claro. Me esqueci, agora lembrei. Meu papel te serve, quem eu sou determina quem tu és, também. Será então uma luta de quem berra mais alto? (Credo.) 

Em casa, sou a temporã, ou a rapa do tacho. Sou a inesperada, a criança, vim alegrar-te. Estou disponível para ti, estou sempre ao alcance de um berro, e te levo sim um copo d'água. Mas fazem alguns anos que não mais criança, e meu crescimento há de mexer na família toda. Para ele, sou a pobre menina apaixonada. Assim sendo, ele jamais será o pobre menino apaixonado - de pobre já há eu. Então poderá seguir sendo o garanhão, o cafajeste, o malandrão, sabe-se lá o que deseja ser. Aprendemos a ser assim.

E hoje me vejo lutando com os nichos disponíveis, que tornam-se disponíveis para mim. Saí da minha terra, e ao voltar preciso reencontrar meu espaço. Algum bicho pode já ter se acostumado a comer o que eu comia, e a cagar onde eu cagava - eu posso ter me acostumado a outras comidas. Já não sei direito quem sou mais, mas os outros parecem ter alguma noção, mesmo que por vezes errada, disso. E seguimos tentando, eu e os outros, a me colocar num papel. Preciso ocupar algum?

Então me vejo me defendendo de alguns papéis aos quais não pertenço. Dessa vez, não desejo ser a sem-saída, nem a promessa da família. Não desejo ser a pobre apaixonada, nem a namorada de dia de semana, nem a puta do fim da noite. Poderia pensar em várias explicações para dar-te, mas uma já me basta: não desejo pois não sou. Então torna-se muito fácil pensar em não aceitar eu mesma esses papéis, nenhum deles aos quais não me encaixe. Pois antes dos papéis, eu já existo, de alguma forma, fora deles. Haveria de me moldar-me eu mesma para me fazer confortável lá dentro, quando não quero, não preciso, e ando sentindo mais conforto nessa casa aqui: vestida de meu próprio corpo.

1 comment:

coresquenãoseionome said...

Ju,... Sem palavras (ou com muitas). Também não quero, não preciso. Por que insistem em achar que precisam grudar em mim algum daqueles rótulos, né? Eu não quero estar enfileirada nessa esteira etiquetadoura em que todos parecem seguir conformados (ou mesmo, felizes, concordando que tem que ser assim mesmo). Mas quando você foge dos papéis impostos, as pessoas ficam meio perdidas, não acha? Tenho a impressão de ser afogada em perguntas pertencentes aqueles esquemas sim ou não: se eu responder sim, vá por esse caminho e faça essa pergunta, se eu responder não, aquele caminho, aquela pergunta... e assim vai até chegar na resposta do papel que me cabe, então. Não, não assumo o papel que me impõem. E se você se sente perdido por não poder me rotular, sorry, não vou responder seu questionário rotulador, sorry again. Me empolguei, né?! Me encaixei nesse texto. Haha!