22.12.10

Desde quando?

[Justo eu, sempre tão reservada em tantas interações, guardando muitas delas, imaginárias, para mim mesma (vai que falo algo inapropriado?) me encontrei numa nova onda, a tagarelice alcoólica. Sempre me orgulhei de não sofrer da amnésia (recém-descoberta acompanhante fiel da tagarelice), e ando repetindo histórias e histórias para aqueles que me acompanham ébria e sóbria. Bebo e viro uma tagarela esquecida.

Tem um certo algo de divertido nisso tudo. Continuamente acho que meus amigos são meio adivinhos ao propositadamente me fazerem sentar ao lado daquele cara que, "secretamente", acho interessantérrimo. Bons amigos. Também acompanham minhas linhas de raciocínio perfeitamente bem e sabem até completar seus finais.]

Então acontece que quase toda noite desse último mês termina em um taxi e alguma conversa importante sobre o mundo e a vida, as cidades e identidade. Essa noite fomos ao Miss Favela, comi pastéis de queijo e mandioca frita, e para cada batida de côco pagava-se 16 reais (impossível não lembrar da disputa às 5 da manhã pela garrafa de baianinha de côco, tão marginalizada no começo da noite, no antro). Os músicos, brasilienses, quando interrogados sobre por quê diabos não os conhecíamos antes nas quadras da capital, envergonhados nos respondem que não eram da galera. Aqueles talentosos músicos. E nós sempre achamos que, justamente por sermos da galera, conheceríamos todos que fizessem boa música em nossa pequena cidade. Quanta prepotência.

Será que quem é de São Paulo algum dia já pensou fazer caridade ao se alongar numa conversa com alguém do interior?

Nunca concordei com a constatação de tantos que Brasília fosse uma cidade fria. Era muito fácil dizer que Nova Iorque era marcada pelas pessoas apressadas e rudes, e a simpatia brasileira prevaleceria na nova capital. Demorei para poder admitir, eu, uma brasiliense orgulhosa (e da galera), que batia mais papo com pessoas aleatórias na grande maçã do que na pequena Brasília. Acredito que a simpatia prevalece sobre a antipatia nessa cidade, uma cidade do mundo inteiro, tão acostumada com gente, onde não interessa onde fez seu segundo grau e quais são as bandas que escutava nos tempos de faculdade. Eu jamais saberia dizer quem é aceitável ou não na Itália dentro dos padrões que aprendi a aceitar como meus, então me resta somente um: oi, e aí?

Depois disso, acontece o que for. Diferente de Brasília. Lá eu aprendi a saber desde os primeiros minutos da conversa quem mereceria minha atenção e quem não. O auge da diferença inter-pessoal era qual música dos Los Hermanos era sua preferida, porque gostar de Los Hermanos era tido como normal. (E pensar que hoje gosto de gente que nem entende o português.) Na universidade, federal e gratuita, minha turma se dividia entre ex-alunos do Leonardo da Vinci, Galois e Marista. Muda só o número da quadra.

Ele me avisou sobre o outro, o quão diferente seria de nós. Mas pouco sabia de mim.

Não sou mais a mesma. Hoje sou uma visita na cidade onde nasci. O quarto onde meu pai me deixava após adormecer no sofá da sala e onde minha mãe lia suas histórias enquanto eu lia as minhas, até que eu adormecesse (era esse nosso combinado: por favor, mãe, não saia antes que eu durma), hoje esse quarto guarda tudo aquilo que não cabe mais na minha vida, mas não consigo jogar fora. O limbo de mim.

E eu quase peço que alguém me leve pelas mãos até o bar onde aprendi a beber cerveja, pois, quão estranho é estranhá-lo? Não conheço mais quem senta à mesa com aqueles com quem sempre sentei à mesa, não sei a qual escola frequentaram, e não sei se aquele silêncio é normal.

Ouvi muito silêncio em Brasília.

Não dar oi para um novo membro em uma mesa de bar, na minha opinião, se caracteriza como antipatia em qualquer lugar do mundo. Sinto muito dizer, mas devo admitir que na brasileira Brasília (hoje sei bem) acontece tantas vezes mais que na selva de pedras que é Nova Iorque. Onde todos podem ser tudo, a minha pessoa (*salvo exceções*) saúda à sua pessoa.

6 comments:

Giovani Iemini said...

sim, parece que em brasília sofremos com intoxicação de "ar de gente besta". ficamos centrados demais nos nossos umbigos.

bjks

coresquenãoseionome said...

sempre podemos ser nós a mudar o que nos desagrada... vamos? eu entro com a tagarelice giratória.

agora, estando mais perto, resgatemos esse seu pertencimento! brasília te quer!

[a baianinha do antro me lembra vc demais. truco. baianinha. uma noite muito divertida no meio da greve que precedeu o começo de uma nova era na minha vida. vc, como sempre, estava lá. =)]

Cícero Fraga said...

Ju, a primeira lida foi de admiração pelo jeito que escreve. fera! A segunda, pensando, sobre o silêncio de Bsb, vejo muito como esse espaço vazio pronto pra ser preenchido. E que maneira melhor de preenchê-lo senão com a nossa presença? Acredito muito que todas as pessoas tem um "raio de alcance". Não sei o que passa, mas vejo muita gente sentindo Bsb de fora pra dentro. É inverter essa polaridade. Para até onde esse raio de alcance pode chegar e contaminar com simpatia os que estão a sua volta. E temos isso naturalmente. Você tem. É uma respirada, um sorriso e sentidos. É tipo arco e flecha: você puxa a corda e atira. Mas é o arco e flecha do artista, que puxa com leveza e com beleza no movimento. Esse ano, estou em constante reflexão sobre Brasília. Overdose da cidade. E aí percebi que o que ajuda a causar a overdose é a própria reflexão. Porque, refletindo, a gente sempre espera a atitude do outro, a iniciativa do outro, para poder analisar. E aí o silêncio se instala. Mas não aquele silêncio bom.

. said...

Padim, adorei a visita!
E sempre que falo de Brasília (minha cidade!), essa que me provoca tantos sentimentos conflitantes, me lembro ou cito vocês do 061uha! que, na minha opinião, fazem sua parte de preencher esse silêncio e esse espaço todo de Brasília muito bem!
Acho que se estivesse aí tentaria entrar pra esse time (mesmo que fosse só cumprimentado pessoas em mesas de bar), mas é só que às vezes bate uma preguiiiçaaaa (desse ar de gente besta que o Giovani citou)! ;-)

Larissa said...

Adorei Ju, como sempre, compartilho os sentimentos. Estou em sao paulo, no quarto que guarda meu passado, "visitando" os lugares e amigos que era-uma-vez faziam parte do meu cotidiano. estranho, sim, mas tambem ja acostumei com a sensacao complexa de ser uma estranha em um lugar que ainda eh, de alguma forma, familiar e sempre meu.

sempre acho que aparento ser antipatica com brasileiros em nova york, pois evito muita conversa por medo do meu portugues sair errado. parece tolice, mas acontece sempre- solto uma perola tipicamente gringa e alguem tira sarro e eu fico vermelha de vergonha. ate aki, no seu blog, tenho medo de comentar "errado". hahha... mas, como gosto muito dos seus textos, acabo me arriscando.

com carinho, sempre.

Cícero Fraga said...

O metido a besta tem mesmo. É resquício de emergente do interior do plano. Nós, matutos. Mas ó, a cidade somos nozes. E você é figura iminente nessa equipe do querer bem. Simbora!