De todos os lugares no mundo, foi Brasília a dona da minha primeira respiração.
Eu gosto da casualidade (será? ou falta absoluta de casualidade?) desse fato. Eu gosto das outras vidas que poderiam ter sido, e não foram. Quando criança, eu imaginava como eu seria se tivesse dado o primeiro ar da minha graça em Paracatu, ou no estado de Ohio, Virginia ou Novo México, nos Estados Unidos. Quando adolescente, me perguntava se faria parte de algum club dos nerds em alguma high school qualquer, e ao invés de interrogar incessantemente minha mãe sobre suas experiências naquelas terras antes tão distantes, estaria interrogando meu pai sobre seu passado no exótico Brasil. Poderia ter me feito gente na Alemanha, se por lá minha mãe decidisse ficar. Eu poderia ter sido tantas outras pessoas...
E a viagem se prolongava até a certeira dúvida final: o quanto minha experiência teria que ser diferente para que eu deixasse de ser eu?
E sempre concluía que em Campinas já seria uma outra Juliana. Eu sou então um tanto de Brasília.
Quando hoje me vejo tomando tantas das decisões que meus pais um dia tomaram, o misticismo ao redor delas some, e tudo parece tão arbitrário - quer dizer que eles não sabiam direito o que estavam fazendo? Não estava escrito em estrela nenhuma.
E no segundo seguinte, uma satisfação imensa preenche o vazio que essa falta de sentido maior tentava estabelecer. Eles não sabiam, mas ainda assim o fizeram. Tomaram uma decisão, e essa decisão foi que eu me criasse na nova capital. Então a responsabilidade sai dos braços dos astros e cai inteira nas mãos daqueles que me fizeram. Nos estabelecemos todos em Brasília, na não-óbvia Brasília.
E nela aprendi a viver. Aprendi a caminhar por becos, temer cachorros fugidos, e encontrar terra vermelha no caminho para a escola. Cresci ao som de pássaros e cheiro de fumaça de folhagens queimadas no fim de tarde no Lago Norte. Brinquei na beira do lago, e instalamos uma tabela de basquete no final da rua. Fui dona de todas as casas ao redor da minha e ainda me lembro dos azulejos de todas as suas piscinas. Na casa da dona Nair eu tomava chimarrão, a tia Valéria fazia os melhores doces de Minas. Nas férias, íamos todos visitar as famílias, porque família nenhuma era de lá.
Não tinha sotaque, não tinha cultura. Não tinha jeito certo de fazer nada.
E ainda assim lá eu me criei, e muitos outros se criaram ao meu lado. Vivemos entre o verde (ou marrom) sufocantes da natureza ainda escancarada e uma vida borbulhante nascendo em seus cantos. Uma universidade nova era o quintal da minha casa, e lá eu encontrava os móveis que um dia mobiliaram meu quarto. Lá eu aprendi a pensar em coisas que nunca antes havia pensado, e o fazia caminhando em direção ao ponto de ônibus. A garganta seca, o caminho de terra. Às vezes uma carona, um cheiro de pão francês às seis horas da tarde e uma ponte. Uma escola de música gera tradição, um bar de quarenta anos oferece pouso para a boemia. Na cidade onde mal se vê gente nas ruas, tinha muita vida acontecendo nos habitados espaços entre os já escassos terrenos baldios.
Sem perceber, estávamos nós fazendo cultura, fazendo memórias, moldando quem nos moldava. Em uma cidade onde tudo é novo, a gente fazia novidade. O teatro de onde nada se espera nasce e supera aquele do qual muito é esperado, e dois amigos fazendo música iniciam um movimento. A juventude é a primeira a povoar suas curvas, então Brasília também se torna um tanto de nós.
Imagino serem poucas as pessoas no mundo que podem ter o prazer de ver uma cidade nascer e se moldar, assim, tão rápido, em frente a nossos olhos e bem nas nossas mãos. A propriedade que eu sinto sobre essa cidade não cabe em um texto. Essa cidade é muito minha, e outros brasilienses podem entender.
É uma liberdade (entre tantas faltas dela, que eu reservo pra outro momento) muito bonita.
Com ela, claro, uma responsabilidade grande.
Eu sou a calma e borbulhante Brasília.
E quero muita Brasília, muito bonita, sempre nova, pra muita gente!
4 comments:
Eita Brasilia linda que eh de tudo um pouco e de todos muito! Lindo texto linda!
E eu me lembrei de tantas tardes na piscina, tantas noites na rua, no pique-esconde, bete, o basquete na cesta de basquete do fim da rua. Me lembrei do pão quente comprado pela mãe da Lela e da Ju, na volta pra casa depois da aula de inglês. Me lembrei das manhãs de neblina, e eu encolhida na porta de casa esperando a parati azul que me trazia vocês e me levava pra escola. Ixi, me lembrei de tanta coisa... obrigada pelas lembranças (como sempre)!
E tantas vezes, durante quase 8 anos, me lembrei de tudo isso com a esperança de voltar a viver Brasília de novo. Pois não é que cá estou?! Mas falta vc... =)
Amei esse texto! Mais ainda por ser o dia de nascimento da minha Gigi! 22.04.10.
Mais uma brasiliensezinha chegou pra crescer nessa cidade linda e não em outra!
Viva Brasília! Viva Gigi!
Beijos, Juja.
Te amo.
Ju, me identifiquei tanto com o texto, principalmente na parte de que POXA somos nós que fazemos essa Brasília, me orgulho tanto de ser a verdadeiramente primeira geração brasiliense.. Será que isso é meio xenófobo?
Ah sei lá, mas eu estufo o peito de orgulho dessa cidade! Sempre me surpreendo com sua beleza! E certamente é a minha cidade favorita, mesmo que possa gostar mais de morar em outros lugares, mas é aqui que me sinto EU mesma... Como pode um LUGAR nos trazer tantos sentimentos?
Brasília sou eu, é vc, é a Eta e Gigi, nossa...
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