16.8.15

Desamparo existencial, ou, "demorou mas raul seixas bateu"

Foram muitos e muitos dias de uma sensação nova, desconhecida. Não reconhecia naquilo a depressão de anos atrás, mal via tristeza. Até que alguém me disse: desamparo. Bateu e ficou. Desamparo desamparo desamparo, é isso. Não é solidão. Não é depressão. É desamparo.
Não significava que não havia ninguém para cuidar de mim quando adoecesse. Ou que me buscasse de carro no aeroporto quando voltava cansada. Chamei então de desamparo existencial. Como se olhasse para os lados e não houvesse nada nada nada que servisse como um apoio, um norte, ou mesmo um sul, algo para negar. Nada era dado, nada era certo, nada era sequer passível de negação.

Só quis ser, existir. Repetia essa frase como um disco riscado: só quero ser, como que pedindo permissão. Me deixa ser. E não houve nenhum outro lugar onde poderia sê-lo, a não ser na natureza (não é exatamente um termo biológico para dizer onde poderia me sentir uma árvore). Queria ser uma árvore (uma sequoia milenar, se desse). Liberava carbonos, ingeria nitrogênios, trocava bactérias com o ambiente, o meu ar era o mesmo dos fitoplânctons, eu era quase toda bactéria. Meu pé estava sujo de terra, tinha areia em todas as minhas roupas (preferia nem tê-las), comia, bebia, dormia, respirava. Queria que o mundo esquecesse de mim, não queria ser nada pra ninguém - estava desamparada de todo o resto, menos da terra no meu pé, e ela era tudo o que eu queria. Até que alguém me disse: parece o arquétipo da mãe-terra, mãe-primordial.

Estava sim sendo amparada naqueles momentos, mas pela mãe-terra, o único amparo que me servia. Todos os anos de ensaios de riponguices serviram para esse momento: pachamama, gaia, entendi finalmente. Senti como se houvesse me despido de todos os frágeis apoios dessa vida e chegado em um imenso alagado de lama e nada - para onde ir a partir daí? Era esse o sofrimento. (agora deu pra entender?)

Mas estava finalmente com pachamama, e então descobri que a fonte do desamparo é também a fonte do amparo. A estaca zero da criação, o ponto inicial. Se eu via um mar de lama onde não havia nada nada nada, eu era tudo; era eu a estaca ali fincada, tudo seria a partir de mim. O amparo e o desamparo eram a mesma coisa, e estavam os dois em mim. A partir do nada, que seja tudo então. Sem Sol, sem Norte, sem Sul, que siga para onde eu quiser: sol norte sul estavam em mim. Os passos a partir daí poderiam parecer mais pesados - não é que algo me empurrava ou me puxava; é que, finalmente, experimentava o amparo existencial.

Até que alguém me disse (agora a pouco): é o zen.
- O que é o zen?
- O sentido de tudo. Puro.
- Gente...
- Você chegou no sentido de tudo. No absoluto. O tudo e o nada.
- Foi dureza, viu?

A gente precisa de tudo pra sustentar o nada.

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