13.1.11
Estilo
Um dia desses me peguei pensando menos (admito) daqueles conhecidos meus, da minha idade, que ainda não saíram da casa de seus pais. Hoje, enquanto eu lavava a louça, olhava para o quintal pela janela. Entre nós e nossos vizinhos foi feito um acordo não-falado sobre como seria a decoração desse nosso pequeno espaço comum, e nosso quadradinho concretado agora abriga uma coleção de cadeiras velhas pegas do lixo (além de um manequim quebrado vestido de saco de lixo). Depois das seguidas nevascas, elas foram enterradas e desenterradas algumas vezes: hoje parecem vítimas de um furacão(zinho). Pensei em muita gente que talvez não gostasse de morar nessas condições, onde a maior porcentagem da mobília veio da rua, onde tem um cantinho atrás da pia que ninguém ousa limpar, e tudo bem - todos seguem. Alguém poderia pensar menos de mim.
Para a minha vida, não vejo outra alternativa. Então entendi que, para outros, outras alternativas. Simples, mas complexo. Pensava no tanto que, calada, mascarada por esse ar de compreensão que aprendi ser tão socialmente bem-aceito, julguei modos de vida de tantos outros. E foi em um segundo, entre lavar uma panela e uma caneca, que pensei: mas se as vidas são diferentes, por que haveríamos de vivê-las igual? Não que nunca tivesse pensado isso antes, provavelmente já proferi tais palavras nessa exata ordem - é que essa frase vem de brinde com a cara de compreensão. E meu lado boa-moça acaba de morrer um pouquinho aqui dentro de mim, como é difícil admitir nossas incompreensões e julgamentos.
Mais uma vez, o perigo da história única. Muitos talvez não saibam que, aos 19 anos, descobri a mortalidade humana, ao reconhecer um caroço na mama esquerda da minha mãe como câncer. E que com 22 anos a vi parar de respirar.
(Assisti ao filme 127 horas e fiquei chocada com uma coisa, a singularidade da experiência vivida pelo personagem principal - se não souber a história na qual o filme foi baseado não siga a leitura -; são poucas as pessoas que sabem a sensação de cortar seu próprio tendão do braço com um canivete cego, e me encantou a constatação do autor da auto-cirurgia de como aquele tinha sido o momento mais feliz da sua vida, e como lhe faltavam palavras para descrevê-lo. Algo como um país não saber como chamar uma presidenta mulher - não há palavras para acontecimentos tão únicos, feliz ou infelizmente. E invejei o acontecimento extraordinário, triste, mas extraordinário, da vida desse escalador. Até olhar ao meu redor e perceber que talvez eu tenha sido única, no meu micro-universo, a ter presenciado a morte de uma pessoa, infortúnio ou não. Todos somos feitos de, não uma, mas várias histórias únicas.)
E eu saí de casa, porque casa não havia mais.
Mas para outros há casa até hoje, suspeito - e isso não cabe no meu entendimento. Parte inveja, parte orgulho, eu hoje não o compreendo, e não sei como seria minha vida com a casa de mamãe e papai. E, sabe-se lá, se tal ainda existisse, estaria eu lá, comendo pão francês quentinho às seis da tarde.
Hoje faço as coisas do meu jeito. Almoço iogurte, janto queijo com bolachas. E como minhas verduras, porque ninguém há de me obrigar a fazê-lo, ninguém além de meu corpo implorando, por favor, mais leveza, cuide-me, alimente-me adequadamente, pois hoje meu corpo é assunto meu. Sempre tive tendências ao estilão meio livre de ser - apesar do que possam dizem outros que conhecem meus costumes quase britânicos com horários e outras responsabilidades. Minha professora achava engraçado que, mesmo sendo amiga de todos na escola, eu não era maria-vai-com-as-outras. Se ninguém quisesse brincar comigo, brincava sozinha. Nem sempre me juntava às crueldades infantis contra as crianças novas. Quando adolescente decidi fazer minhas próprias roupas - havia tecido e máquina de costura em casa, por que não? Minha mãe me ensinou como colocar o fio na máquina e eu pedi que ela me deixasse só de ali em diante. Usando minhas básicas noções de geometria e apanhando um pouco do pedal da antiga máquina, fiz minha primeira saia. Mamãe riu quando viu o resultado, e disse que haviam maneiras muito mais fáceis e amplamente conhecidas no mundo da costura para aplicar um zíper ou fazer a barra mais reta. Mas eu não quis aprendê-las. Minha maneira funcionava muito bem, obrigada. Fiz uma bolsa de lona que se desintegrou em um show. Orgulhosamente carreguei meus pertences até a rodoviária em minhas mãos, e já sabia como deveria reforçar a alça da bolsa na próxima vez.
Decidi parar de comer carne, num dia qualquer em que escolhi largar minha hipocrisia carnívora de lado. Nunca gostei de saber que aquilo que comia era um bicho, mas sempre fui muito boa em ignorar esse fato. Um certo dia do ano passado acordei e decidi que, ao invés de ignorá-lo, responderia a ele. Então tá, não como mais bicho morto, a partir de hoje. E todos vêm me perguntar de onde me nutro das proteínas tão essenciais a mim, e eu não sei. Eu vou comendo o que tenho vontade (e nunca comi tanto feijão, grão de bico e lentilha como agora), inventando minhas receitas conforme a disponibilidade e a vontade. Se tenho arroz e abóbora, faço uma abóbora recheada com arroz. Sempre coloco azeite e sal (jogo um parmesão ralado por cima) e fica tudo bem.
Como diria uma amiga, aqui nesse recinto trabalhamos com a realidade. E nossas realidades, tão distintas, pedem por respostas distintas. Somos todos free-style, à medida em que não podemos responder, de maneira alguma, aos acontecimentos nossos no estilo de outro alguém.
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8 comments:
Nossa, Ju! Amei seu texto e me identifiquei muito com ele. Com exceção à parte da morte, dia desses li algo sobre saber perder e vergonhosamente admiti que não sei, ainda, por uma sorte que mantém a minha imaturidade intacta. Mas com as outras coisas sim. Fui uma criança estranha, minha irmã que o diga!
Hoje percebo que me tornei uma mulher complexa, com muitos pequenos cantos sujos que não ouso limpar, mas interessante também à minha maneira.
Sou feliz porque neste momento encontrei um homem complexo cheio de segredos que talvez eu jamais conheça que gosta de mim. Somos dois complexos juntos agora.
Ele, com seu sorriso imperfeito e por isso totalmente amável.
Oh! Filosofei, céus!Adoro seus textos :)
Gi
Ei, Ju! Que bom ver essa fluidez toda no seu blog. Fiquei as últimas semanas quase sem internet e agora encontro uma porção de textos novos por aqui.
Adorei essa última postagem, e quando li o primeiro parágrafo pensei "caramba! era bem nesse tema que eu tava pensando ontem à noite, antes de dormir". Nem sei porque caminhos cheguei nele - se o meu incômodo com a minha própria impaciência tentando me entender com uma pessoa bem mais nova na semana passada; se a minha decisão de ir dormir sem lavar as panelas, apesar de um certo cartesianismo em matéria de arrumação da casa; se a sensação de estar enfim sozinho, após várias semanas de muitas visitas, agora diante da casa (com todas as suas responsabilidades) que pela primeira vez na vida é minha, e não da minha mãe.
O fato é que ontem eu tava pensando justamente isso, nas diferentes alternativas que as pessoas diferentes escolhem (ou aceitam). E em como isso é uma coisa que a gente aprende a respeitar não uma, mas muitas vezes na vida. Ontem eu aprendi isso, mas já tinha aprendido outras tantas vezes, em outros momentos da vida, por caminhos diferentes, de formas diferentes. E vou ter que aprender outras tantas.
Gosto muito da sinceridade nos seus textos. É muito bonito de ler!
E fiquei com um orgulho bobo, agora há pouco, vendo nas estatísticas do meu blog que o alegriadifícil é a principal porta de acesso pra lá. :)
Um beijão, com saudades
"E eu saí de casa, porque casa não havia mais."
Idem.
Tb me pergunto o que seria de mim se ainda não tivesse que me preocupar com as contas, com a faxina, com a geladeira vazia, minha fome e o pouco dinheiro do fim do mês. Tem dias que tb sinto essa invejinha aí de quem ainda não se preocupa com isso, na maioria, tenho orgulho de me ver onde estou.
Beijo, Ju.
Gica, deve ser por isso que a gente se reconheceu no colégio - éramos duas esquisitinhas!!! :)
Ju, sem papai e mamãe fica mais difícil, mas irmã sempre dá uma facilitada! :)
Pedro, eu às vezes chego a me sentir repetitiva-chata re-descobrindo essas coisas "over and over" (como eles diriam aqui) e postando textos pra todo mundo ler - até com um bocado de vergonha, hehe. E gostoso é ouvir isso - ser sincera é tudo que desejo, que bom que gostou! :)
Amei o texto Ju, incrivel- desde o inicio com as cadeiras (achei sensacional, by the way), a parte em que nos contou sua experiencia ao assitir 127 hours e a triste perda da sua mae (e tudo que se perdeu com isso...), ate o final, com seus aprendimentos de sua vida unica. amei mesmo. fiquei muito emocionada. espero te ver logo- um dia vou te cobrar uma bolsa feita by JU ok? muitos beijos, com carinho,
La
Pode deixar, La! O bom das bolsas By Ju, descobri eu, é que elas são tão, mas tão exclusivas, que até pra você só duram uma noite! ;)
Tá faltando Marc Jacobs explorar esse mercado, da uber-exclusividade!
Sempre adoro seus comentários, querida!
Vamos nos ver logo! Beijos!
Linda!
Amei, Ju! E vamo que vamo free stalando nesse mundão.
=*
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